celular viciado

I.

preciso de um hipódromo
preciso encontrar um cassino
um galpão abandonado usado para brigas de galo
preciso… ser salvo
por um vício menos nocivo.

jesus cristo, o caminho, a verdade…
causa nobre, ajoelho-me diante de tua santidade
rogo a ti uma paixão, uma fuga
um entretenimento, passatempo
para repousar os oitos pedaços
de uma pizza vegetariana.

― você é sensacional.
somos todos, n., repletos de coloridas chamas de compaixão
mas tantos, tantos ainda professam tanta miséria
vomitam tempestades de areia
na boca de peregrinos sedentos por água.
como podem ser tão seguramente perversos
julgando-se santos?

tenho os livros como refúgio
a escrita como válvula necessária
um canto intocado, somente meu
mas não basta. não sustenta-se
em si mesma. é preciso ser
sociedade. os monges estão inclusos
nessa merda.

há os filmes, xadrez, quem sabe
penso em trabalhar aos sábados e domingos
lar de idosos, de adolescentes
pacientes em estado terminal?
preciso mais de vocês que o contrário
voluntariado deliberado
poderia significar algo.

que tal oficinas de xadrez para velhos?
voltaria a estudar…
que tal filmes com adolescentes bagunceiros?
que tal ser monitor em um parque de dinossauros?
ou abrir um grupo de leitura?
deus do céu, esse último, não!

não sei jogar pôquer para viciar-me
roletas e cavalos não há por aqui, fiódor e hank.
mulheres, estou exausto disso, liev.
galos seria horrendo, hunter.
trabalhar em um quiosque servindo porções
não seria tão má opção assim.

preciso pensar. decidir
preciso trocar de celular
fato.
farei isso
ainda essa semana.

II.

certa tarde ensolarada
uma hare krishna abordou-me em uma lanchonete
― você pratica algum tipo de arte marcial?
― não, respondi
― estranho, sua áurea emana um tremendo autocontrole.
abri um sorriso, e continuei bebericando um café quente
depois de nadar nas águas frias de uma cachoeira
que havia por lá.