um alienado político decide seu voto

a quatro dias das eleições para a presidência do brasil
pesquiso sobre os candidatos
lula
ou
bolsonaro
é só
o que aparece.

surgem matérias paralelas
sobre o bispo vencedor do nobel da paz acusado de molestar sexualmente menores trinta anos atrás
sobre a casa miserável onde hoje mora geisy arruda
sobre os planos de paulo guedes para a economia do país
sobre a convocação de putin de reservistas para a guerra na ucrânia

e também conteúdos
sobre feminismo
sobre escritores tachados por machistas tóxicos pela arte que produzem
e sobre contemporâneos que criam a arte que as massas aceitam pagar.

conflitos demais
notícias demais
para todos os lados.

um abismo até chegar
ao morador de rua de são paulo que tudo o que mais pode desejar é a embriaguez do apagão
ao moleque maltrapilho que me pediu um extenso trocado para revender chocolates, e eu
mais tolo que gentil,
acatei ao seu pedido
aos malabaristas magricelas do semáforo
as putas feias carcomidas pela pobreza que emanam um brilho oco de fúria e desprezo em seus olhos
aquela senhorinha grisalha e enrugada da avenida paulista que no domingo retrasado implorou-me uma refeição
e eu recusei,
deixando-a vagar perdida em seus passos frouxos pela sua existência desatina.

mas isso
isso tudo
infelizmente ou não
é política.

em expediente, um colega de trabalho explana hoje comigo sua visão do sistema social
homem prático. inteligente. visionário.
relação estado público e privado, com dirigentes barrigudinhos para tudo quanto é lado.
para um existencialista acometido pelo niilismo,
a doença do século XXI impregnada em seres medíocres como eu,
que já com a calvície dos trinta, temem encarar no espelho o super-homem de nietzsche,
petrifico-me.

qual o meu papel
nisso tudo?

escolher
um
desses candidatos
é exercer
cidadania?

de um lado, um velhinho barbudinho bom de lábia
d’outro, um coronel adepto a motociatas
eu sinto muito
sinto muito, mesmo
aos que passam fome
aos que moram na rua
aos que vendem-se nos semáforos
a velhinha que sentenciei a fome
mas
não
escolho.

não arrego
pra
nenhum.

voto
nulo
é mais que um desabafo,
é uma gargalhada
defronte a toda essa comédia.
como os literatos que admiro,
é uma afronta rente a desgraça da vida,
é sorrir para a morte quando ela vem te buscar.
é abraçar o capeta, e no inferno
enfiar-lhe o dedo em seu cu.

amo meu país, mas
ainda enojo-me daqueles
que o conduzem.

fim de papo.
voltarei aos meus devaneios
egocêntricos
agora.